PÓLO NAVAL

Polo naval promete mudar perfil de Charqueadas

Jornal do Comércio 14/01/13

Município da região Carbonífera, que sempre teve seu perfil vinculado ao sistema prisional por abrigar penitenciárias como a Pasc, quer virar a página e passar a ser reconhecido como grande complexo da indústria naval

Jefferson Klein

O início das operações da Iesa e da Metasa no município de Charqueadas, para atender às demandas da indústria do petróleo e gás, materializará, neste ano, o nascimento de fato do chamado polo naval do Jacuí. Além da alteração do cenário econômico da região com os empreendimentos, o prefeito de Charqueadas, Davi Gilmar de Abreu Souza, espera uma transformação no modo como as pessoas veem a cidade, hoje muito conhecida por abrigar parte do sistema prisional.

“Queremos mudar essa imagem, porque ela é negativa para o município e sabemos que Charqueadas não tem só presídios, tem muitas coisas mais”, defende o dirigente. Com a confirmação do empreendimento da Iesa no ano passado, vislumbrou-se o início da implementação do polo naval. Devido à operação da unidade da empresa, que construirá módulos para plataformas de petróleo, também será instalada na localidade a fábrica da Metasa para a produção das estruturas metálicas desses equipamentos.

O prefeito salienta que os investimentos dessas duas companhias já estão garantidos, e a expectativa é de que o desenvolvimento do setor na região não se restrinja apenas a elas. Ele lembra que grupos como UTC, Engecampo e Tomé Engenharia pretendem construir empreendimentos na cidade para atender ao mesmo segmento.

Souza relata que a prefeitura já destinou uma área para a Tomé e, até abril, o dirigente acredita que a empresa iniciará a implantação da unidade.Ele informa que a Engecampo está negociando o terreno para implantação da sua estrutura com um proprietário privado.

O projeto da UTC, por sua vez, prevê um aporte de R$ 118 milhões. Deste total, R$ 11,9 milhões serão aplicados na construção de dois cais de 30 metros. A planta ocupará uma área de 256 mil metros quadrados, com uma faixa de 320 metros de frente ao rio Jacuí, e terá uma capacidade para trabalhar com 48 módulos ao mesmo tempo.

“A cidade está esperançosa, porque está vendo algo que está se concretizando, que não é o projeto da termelétrica Jacuí 1 que, como outras promessas, ficaram no papel”, destaca o dirigente. A Metasa, inclusive, ocupará parte da área da usina. Souza admite que a região empobreceu muito com o término do ciclo econômico do carvão e com a inviabilização do projeto da termelétrica Jacuí 1.

“Essa usina era a grande cartada que se tinha para se dar prosseguimento à exploração do carvão”,destaca o prefeito. A termelétrica enfrentou historicamente diversas dificuldades para ser concluída. Desde os questionamentos ao impacto ambiental que representaria, até irregularidades para se obter avais para financiamentos.

Segundo Souza, o carvão, que trouxe progresso para a localidade no passado, acabou se tornando uma dependência. “Por isso, esses novos empreendimentos são muito importantes”,comemora o dirigente. O prefeito calcula que o polo naval do Jacuí gerará em torno de 5 mil postos de trabalho, diretos e indiretos. Ele afirma que a formação do polo no município já manifesta alguns reflexos, como, por exemplo, o aquecimento dos setores imobiliário, de comércio e hotelaria.

Essa perspectiva de aquecimento da economia gera também necessidades de investimentos em infraestrutura, no sistema de saúde, transporte, entre outros. Porém, conforme Souza, esse é um bom desafio. Ele acrescenta que, nessa área de infraestrutura, Charqueadas apresenta uma vantagem em relação ao polo naval de Rio Grande pelo fato de a cidade estar inserida na Região Metropolitana de Porto Alegre. “Mas, apesar desse benefício da localização, a cidade está se adiantando para desenvolver obras, como um hospital público que será inaugurado em 2013”, diz o prefeito.

Outra vantagem da região é o potencial apresentado pelo rio Jacuí. A hidrovia deve ser a principal alternativa para a movimentação dos gigantescos equipamentos da cadeia de petróleo e gás. Além disso, permite uma ligação natural com o porto do Rio Grande. Essas características fazem o dirigente almejar um futuro promissor para o município, que conta hoje com cerca de 35 mil habitantes (censo do IBGE de 2010). Sendo assim, a perspectiva é de que a cidade, que teve seu nome ligado ao charque e depois ao carvão e penitenciárias, mude novamente sua identidade.

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Iesa começa produção em março

Um dos símbolos mais importantes para o polo naval do Jacuí deverá ser desenvolvido a partir de março. De acordo com o presidente da Iesa Óleo e Gás, Valdir Lima Carreiro, o início da montagem de módulos de plataformas de petróleo ocorrerá naquele mês. O tempo para a empresa é fundamental, pois a previsão é das primeiras encomendas do polo do Jacuí serem entregues até julho de 2014.

Para cumprir o cronograma, a construção da unidade da Iesa em Charqueadas terá um ritmo acelerado. Carreiro, em dezembro, informava que o cais do complexo estava pronto e a terraplenagem praticamente finalizada. “Além disso, já começou a construção dos prédios administrativos (vestiários, refeitórios etc), pipe shop (ou fábrica de tubulações) e área industrial (com estruturas de proteção para as chuvas)”,detalha o executivo. Devido ao terreno amplo e plano, os engenheiros da Iesa projetaram um sistema de movimentação para carga e descarga dos módulos. Qualquer um deles pode ser levado até o cais e as barcas de transporte.

Carreiro destaca ainda a geração dos postos de trabalho na construção da unidade. “A procura pelas 1,2 mil vagas ultrapassou a marca de 1,6 mil inscritos, a maioria deles com o perfil técnico exigido”, relata o dirigente. Segundo ele, a Iesa dará preferência aos profissionais que moram no município e na região. O investimento na estrutura será de aproximadamente R$ 100 milhões.

O empreendimento da empresa no Estado só será possível porque, no ano passado, a Iesa Óleo e Gás venceu a disputa pelos contratos com a Tupi BV e com a Guará BV para fornecimento de 24módulos de compressão a seis plataformas de petróleo, com opção de entrega de mais oito módulos para outras duas plataformas replicantes do pré-sal. O valor total dos acordos é de US$ 720,4 milhões, podendo chegar a US$ 911,3 milhões, se confirmados os módulos adicionais. A Tupi BV tem como acionistas a Petrobras, o BG Group e a Petrogal. A Guará BV é formada pela Petrobras, BG Group e Repsol-Sinopec.

Se os primeiros módulos feitos em Charqueadas forem entregues em meados do próximo ano, os últimos deverão ser concluídos até 2017. Os módulos, que são os equipamentos que ficam na parte superior das plataformas de petróleo, serão usados na compressão de gás, injeção de gás natural e de CO2. O índice de nacionalização dessas encomendas terá que ser de, pelo menos, 70%. Os mecanismos serão instalados a bordo de FPSOs (sigla em inglês para plataforma flutuante que produz, processa, armazena e escoa petróleo) replicantes que integrarão as unidades de produção destinadas a atender à demanda do pré-sal na Bacia de Santos

Uma curiosidade admitida por Carreiro é que, quando a companhia avaliava as possíveis localidades para instalar a sua unidade, ele discordava da escolha de Charqueadas. Contudo, em vista das vantagens do lugar, como acessos hidroviário e rodoviário, a proximidade com a Capital e a presença de escolas técnicas e de outras companhias na região o levaram a mudar de ideia. A saída dos módulos finalizados do município será feita pela hidrovia, devido ao tamanho das estruturas, mas os seus componentes chegarão através do modal rodoviário, sendo que vários materiais serão oriundos do Rio Grande do Sul.

Outro fato proporcionado pela atividade da Iesa é a atração de mais empresas para a região. Carreiro ressalta que a Metasa – que está se instalando em um terreno ao lado da unidade da Iesa – será a responsável pela fabricação das estruturas metálicas dosmódulos.

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Metasa pretende utilizar hidrovia para chegar a outras regiões do País

O projeto da Metasa em Charqueadas, que também começará as atividades neste ano, nascerá da demanda gerada pela Iesa. Contudo, a empresa pretende, futuramente, ampliar o seu leque de oportunidades. “Inicialmente, produziremos para a Iesa, que está se instalando no polo naval do Jacuí, mas a planta terá capacidade de fornecer estruturas metálicas para clientes de Rio Grande e de todo o Brasil, utilizando a hidrovia”, revela o diretor de novos negócios da Metasa, Oscar de Azevedo.

O investimento da companhia será de cerca de R$ 120 milhões na planta, dividido em duas fases. Na primeira etapa, serão aportados em torno de R$ 30 milhões, sendo que o projeto completo deverá ser implantado em dois anos. O protocolo de intenções da instalação da unidade da Metasa foi assinado com o governo do Estado em agosto do ano passado, junto com o lançamento do polo naval do Jacuí, no Palácio Piratini. A solenidade contou com as presenças da presidente da Petrobras, Maria das Graças Foster, e do governador Tarso Genro.

Na ocasião, a Metasa informou que a sua expectativa era produzir aproximadamente 3 mil toneladas ao ano na primeira fase do empreendimento. Nessa etapa inicial, a matriz, em Marau, fornecerá à Metasa Offshore – unidade Charqueadas – perfis, chapas, travamentos e miscelâneas já pintados, para que esses sejam montados no novo canteiro. Em um segundo momento, a companhia pretende dobrar a produção. A área onde será construída a nova unidade da Metasa tem 175 mil metros quadrados e está localizada às margens do rio Jacuí. Nesse espaço, a planta contará com infraestrutura de escritórios, refeitório, acesso e portaria, assim como o parque fabril.

Logo após a solenidade com a presidente da Petrobras e o governador do Estado, o presidente do conselho de administração da Metasa, Antônio Roso, apontava que a expectativa para o mercado da construção naval era excelente. “E, nós, que somos fornecedores da Petrobras há mais de dez anos, estamos otimistas com isso”, comemora o dirigente.

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Perspectiva é de entrosamento entre estaleiros de Jacuí e Rio Grande

O desenvolvimento do polo naval de Charqueadas terá um “irmão mais velho” em que se inspirar e apoiar. O presidente da Agência Gaúcha de Desenvolvimento e Promoção do Investimento (AGDI), Marcus Coester, enfatiza que a perspectiva para os próximos anos é de um maior relacionamento entre o polo do Jacuí e o de Rio Grande.

Além disso, o dirigente prevê o aprimoramento da integração entre fornecedores situados na Região Metropolitana de Porto Alegre e da Serra gaúcha. De acordo com Coester, em dezembro, a estimativa era de que as encomendas do setor de petróleo e gás feitas no Rio Grande do Sul totalizassem cerca de US$ 10 bilhões.

“Há um processo de consolidação da cadeia produtiva em andamento”, sustenta o presidente da AGDI. A própria presidente da Petrobras, Maria das Graças Silva Foster, já apontou que o lançamento do polo naval do Jacuí é um indicador do fortalecimento das indústrias navais brasileira e gaúcha. De acordo com ela, o complexo representará o deslocamento de investimentos para uma região de grande potencial industrial. O governador Tarso Genro complementa que o polo naval do Jacuí não é produto da espontaneidade, mas fruto de um planejamento responsável.